#EP32: “O aproveitamento que se faz da Educação para a agenda política é meio oportunista”

Luís António Santos é o convidado do 32º episódio do Podcast Isto Não é Pera Doce! Jornalista durante mais de uma década, o professor de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho refletiu sobre o estado do jornalismo em Portugal, em contraponto com a temática da Educação.

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#EP32: “O aproveitamento que se faz da Educação para a agenda política é meio oportunista”
Fígura de ondas técnologicas azul

Entre a atualidade informativa, os temas da agenda mediática, as consequências do covid para os alunos e a desinformação, este episódio este episódio deixá-lo-á a refletir sobre o tipo de informação que estamos a consumir. Assista à conversa, na íntegra:

«A Educação é tema de agenda mediática pelas piores razões»

A Educação é um tema que, naturalmente, toca toda a população. Aos mais velhos, porque no sistema estarão os netos; às pessoas com a idade ativa, porque naturalmente devem ter filhos que andam no sistema; e toca os mais novos, porque são eles parte do sistema. Mas, é a Educação um tema que está no topo da atualidade política e da comunicação social? 

Existem, segundo o professor Luís, momentos em que a Educação integra a agenda. Num momento próximo de um período leitoral, existindo, por vezes, um aproveitamento da temática para a agenda política, com um tom, talvez, oportunista. Ou, quando há falhas no sistema. 

Eu acho que, como os outros temas, [a Educação] vai e vem. Agora, parece-me que, quando nós nos aproximamos, por exemplo, de um período eleitoral, a Educação é um dos temas que começa de novo a merecer interesse. Quer porque o partido do Governo quer mostrar as coisas que fez, quer porque os partidos da oposição querem mostrar as coisas que o partido do Governo não fez. (…) Tem um enorme interesse do ponto de vista da captação de votos. E, portanto, às vezes, o aproveitamento que se faz da Educação para a agenda política é meio oportunista, é verdade, mas significa que os temas da Educação vão para a agenda. Depois, quando é que também os temas da Educação vão para a agenda? Quando há falhas no sistema. Ou seja, o que eu estou aqui a querer dizer é que, em muitas circunstâncias, a Educação é tema de agenda mediática pelas piores razões.

Estará a população sensibilizada para este tipo de questões e assuntos? Para Luís Santos, as pessoas debatem as coisas ao nível do seu interesse imediato, no mundo em que conseguem agir. Se já não conseguem ter influência, deixam que os outros se envolvam. Por exemplo, na pandemia tivemos as escolas fechadas. Foi uma decisão que, na altura, poderia ter gerado mais reação. A sociedade civil poderia ter mais vontade de discutir isso. Sentia-se isso politicamente, mas politicamente não é o cerne da questão.

Mas eu também concordo que talvez, no pós-pandemia, pudesse ter havido uma reflexão mais ponderada sobre o que é que nos aconteceu, o que é que isto fez ao sistema, como é que estamos de facto e que passos vamos ter que dar para reativar a relação destes alunos com a aprendizagem em contexto de grupo. Eu começo agora a apanhar na Universidade, alguma destas pessoas e eu sinto que existem coisas diferentes nestas pessoas

Durante uns anos vamos dizer que a culpa é da pandemia para quase tudo, afirma o professor Luís. A verdade é que ela o será em algumas circunstâncias, mas deveríamos conseguir avaliar o impacto concreto da mesma. 

Se nós não conseguirmos avaliar concretamente em que é que a pandemia teve influência, porque… Eu não sei se, por exemplo, se a pandemia teve mais efeito nas aprendizagens formais – da matemática, do português, das ciências -, ou se teve mais impacto em coisas mais fundamentais, como o relacionamento humano, a autoconfiança das pessoas. Porque a minha perceção é que eventualmente, teve. Eu tenho alunos que têm neste momento, talvez, um pouco mais de dificuldade em relacionar-se com os outros. Que se sentem muito mais autónomos. Talvez não no melhor sentido, ou seja, autossuficientes.

 

Os alunos apresentam-se com caraterísticas diferentes no Ensino Superior, como exemplifica o professor Luís: mais autónomos, mas talvez num sentido não positivo; autossuficientes, acreditando que os mesmos são suficientes para levar a cabo certas tarefas e desafios. Nos dias de hoje, como poderemos mobilizar ou motivar jovens para estes valores como o rigor jornalístico, numa época em que eles crescem muito mais ligados a redes sociais, seguidores e algum espetáculo e muito imediatismo?

«O nível de exigência não se põe só nas pessoas que têm formação em jornalismo»

O professor Luís António Santos, acredita que esta é uma questão mais complicado do que aquela que lhe apresentamos. A questão deve ser alargada não apenas ao jornalismo, mas para a informação de qualidade. Isto é, a necessidade de mesmo jovens alunas e alunos que nunca tenham tido uma relação profissional com o jornalismo, necessitarem de ser cidadãs e cidadãos informados. Esta necessidade é vital, nos dias de hoje, dada a grande quantidade de informação a que temos acesso, diariamente.  

Desta forma, é vital desenvolver o sentido crítico de cada um, para que se trabalhem aptidões que nos capacitem de olhar de forma crítica para os fluxos de informação que percorremos com o dedo, vezes e vezes sem conta. Caso não tenhamos estas competências, a probabilidade de sermos enganados, ou sermos agentes, mesmo não deliberados, de disseminação de informação, que pode ser errada ou até maliciosamente falsa, é grande. Neste contexto, a exigência destes valores não se colocam apenas nas pessoas que têm formação em jornalismo, mas na sociedade em geral.  

O nível de exigência não se põe só nas pessoas que têm formação em jornalismo ou até em comunicação, eu acho que esse nível de exigência neste momento, parece-me impossível nós dizermos que vivemos na sociedade da informação, então temos todos que perceber um bocadinho disto.

 



Nas palavras do professor Luís, as pessoas continuam a consumir informação, mas não aquela que ele identificaria como tal. Consomem informação e muita, mas leem mais bocadinhos de coisas, 3 linhas ou 4 de cada coisas. 

Ou seja, são pessoas que têm acesso a muita informação, têm interesse em muita informação, só que essa informação não é aquilo que eu identificaria como informação relevante. O que eu acho é que tendem a ter uma informação mais superficial sobre as chamadas coisas públicas, sobre os assuntos que têm interferência sobre a sua vida – inflações, juros do crédito de habitação, as greves, as urgências dos hospitais, ou até os partidos políticos. Sobre isso têm menos informação, mas também consigo dizer-lhe que quando as pessoas são ativadas para o interesse, muitas delas precisaram foi daquele impulso. 

Um dos problemas para que isto aconteça são as plataformas digitais, a divulgação da informação e o modo como os algoritmos funcionam. Tendemos a receber informação de acordo com o que já nos interessou ou por pesquisas que fizemos. O que acaba por criar bolhas à volta das pessoas. Para o professor Luís, a questão é ainda mais complicada.

[É] de acordo com o que os anunciantes quiseram. E, em muitas circunstâncias, os anunciantes não são sequer anunciantes que vendem sabonetes ou sapatilhas. São anunciantes que vendem projetos políticos… Nesta altura em que estamos a gravar este programa, nós percebemos que há uma ativação grande, por exemplo, dos fluxos do tiktok com mensagens políticas, de uma certa natureza. 

Complica, ainda mais, com a Inteligência Artificial. Se há vantagens proporcionadas pela IA, há. Os alunos do professor Luís já usam também este tipo de ferramentas, mas o mesmo alerta que é necessária uma curva de aprendizagem. 

Em primeiro lugar, as pessoas têm de perceber que este tipo de ferramentas e as ferramentas que temos acesso hoje em dia ainda são muito básicas: algumas fazem coisas que achamos extraordinárias, mas ainda são muito básicas. Daqui a três, quatro, cinco anos vamos estar num patamar completamento distinto, mas apesar de tudo as pessoas têm de continuar a olhar para elas como ferramentas, parece-me a mim, que facilitam, que completam, mas não que fazem todo o nosso trabalho

«A ideia de que este fenómeno da desinformação é uma coisa recente, não é verdadeira»

O digital permite, por isso, mergulharmos em novos conteúdos e ferramentas capazes de nos auxiliarem. Mas, exige a capacidade de avaliarmos aquilo com que somos confrontados, independentemente do tipo de conteúdo que estejamos a receber. Pois, a desinformação não é uma realidade de agora. 

A ideia de que este fenómeno da desinformação é uma coisa recente, não é verdadeira. Sempre houve desinformação. Eu acho que o que é novo, é a escala. A escala é que torna tudo avassalador. A escala ligada à velocidade. Porque, informações não verídicas há 30 ou 40 anos também se espalhavam. Nós todos nos lembramos de alguns rumores que correram na sociedade portuguesa. Também espalhavam, mas espalhavam muito mais devagar. E, hoje em dia, espalham no espaço de uma hora, uma hora e meia.

Ao professor Luís, parece-lhe, por todo este contexto, que não existe uma moeda mágica para virar esta situação do avesso. Vamos ter de viver com isto e, nesse sentido, precisamos de reconhecer a desinformação, perceber o que a mesma significa e apontar soluções. 

Vamos ter de ter mecanismos para reconhecer, contrariar e formar as pessoas para, individualmente, no seu dia a dia, estarem habilitadas para gerir isto. Quer seja na saúde, na informação bancária, na informação comercial, na informação política ou na informação jornalística. Portanto, presumir que há uma solução única que vai resolver isto tudo, ou presumir que isto vai desaparecer, são duas presunções que me parecem erradas, que não nos levam a lado nenhum.

E, esta solução deve incluir a sociedade como um todo. 

Quando às vezes se propõe soluções de literacia mediática, geralmente aponta-se para as gerações mais novas, mas isso significa que já desistimos dos outros todos. Não, eles estão todos cá. Portugal tem uma população envelhecida. Eu não sei qual é a experiência da maioria das pessoas, mas eu já recebi coisas da minha mãe, falsas, da minha mãe... Portanto, ninguém é imune a estas coisas e se nós nos concentrarmos só numa geração, ou em duas gerações, nós também não estamos a cumprir bem o serviço, parece-me.

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

Adriana Ribeiro

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