A escola também se encarrega dos encarregados de educação

Já não parece assim tão distante o dia em que as festas de estudantes possam ser organizadas pelas associações de pais de cada faculdade, pois não? Acreditemos que o bom senso existe, já que os deuses não têm lugar na escola.

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A escola também se encarrega dos encarregados de educação
Fígura de ondas técnologicas azul

Quando lemos que está a crescer o número de pais a interferir na vida académica dos filhos na universidade, marcando entrevistas com professores e debatendo resultados e classificações, começamos a pensar que talvez alguns pais estejam a perder a noção de limites. E do ridículo. Que estão simplesmente a mandar às urtigas esse valor tão importante de separação de poderes educativos, desprezando a importância de termos esferas de intervenção que nunca se devem fundir. 

Já não parece assim tão distante o dia em que as festas de estudantes possam ser organizadas pelas associações de pais de cada faculdade, pois não? Acreditemos que o bom senso existe, já que os deuses não têm lugar na escola. 

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Quanto a esses pais, até já lhes arranjaram um nome, os pais helicópteros, e quem já viu um de perto, sabe que são ruidosos e conseguem aterrar verticalmente em espaços reduzidos. A cadeira à frente da secretária de um diretor de escola é como se fosse um heliporto para muitos deles e não é difícil imaginar os calafrios que despertam em quem tem de gerir escolas sempre que os sentem a aproximar-se. 

Estes encarregados de educação querem substituir-se aos alunos, professores e, algumas vezes, a diretores na definição de estratégias escolares. Ameaçam a independência, o altruísmo e a missão da escola. Eles são incomodativos não tanto pela sua excessiva presença na esfera escolar, mas principalmente porque a sua visão é muito restritiva e centrada num ou em poucos educandos. O que os preocupa são os caminhos que definiram para essas crianças e jovens, as suas expetativas, dificuldades, frustrações e raramente têm uma visão alargada do grupo, do contexto e do mundo que deve ser o melhor possível para todos. 

Claro que um pai deve ter uma ação centrada nos objetivos e potencial daqueles sobre quem tem responsabilidades. Mas por isso mesmo, a escola é o espaço de integração e conciliação da multiplicidade, para valorizar as qualidades individuais e fazer crescer grupos mais fortes e capazes. Claro que isso é um ideal, mas que se saiba, a escola corre por ideais. 

De onde vêm eles? 

Não é difícil compreender o que tem vindo a alimentar esta proliferação dos pais helicóptero. As famílias, ainda na fase de projeto, são cercadas de uma miríade de especialistas, livros, programas de televisão, vídeos, páginas online, apps e serviços que lhe dizem tudo o que precisam de saber sobre os bebés, as crianças, as escolas e o crescimento. E esse tudo nunca é tudo, há sempre outro tudo a caminho e quando já parece tudo, afinal não o era. 

Os pais são chamados a refletir intensamente sobre as fraldas e as chupetas, as carícias e o leite, os olhares e as posturas, sobre cada palavra, a personalidade dos avós, os baloiços nos parques, os animais de estimação ideais para promover traços de personalidade, os impactos do ar livre, do sol, do vento ou de partículas quânticas. Um investimento emocional de tal ordem, que os leva a não dar margem para o risco, para aprendizagem e para o erro, essa possibilidade aterrorizadora que pode destruir um futuro de sucesso que está a dar tanto trabalho a construir. 

Consideremos, ainda, que crianças e jovens crescem cada vez mais expostos ao mundo por uma interface virtual, ficando a cargo da supervisão parental as suas relações e vínculos com várias instituições e mundos reais. Hiper-protegidos do caos, da tristeza, da frustração e até das inevitabilidades da vida. Os pais intervêm nos conflitos com amigos, na integração social, nas aprendizagens, nos interesses, deixando pouca autonomia aos seus filhos para decidir e arriscar. 

Mas também há submarinos 

No polo oposto aos helicópteros teremos aquilo que se pode designar de pais submarino, nunca ou raramente são avistados. Um autêntico pesadelo para diretores e professores, adiando decisões, dificultando mudanças e prolongando sofrimento, principalmente dos educandos. Quem trabalha em escolas, principalmente do sistema público, já conheceu muitos pais assim. Ou melhor, não conheceu. 

Para um diretor de escola, pais ausentes trazem muitos problemas, imediatos e a médio prazo. Situações de indisciplina que se prorrogam, professores insatisfeitos porque não conseguem resultados, burocracias que se acumulam e entopem o dia-a-dia de todos, as avaliações que ficam incompletas, alarmantemente medianas ou medíocres. E, claro, depois vêm muitas figuras especialistas em rankings para lembrar que noutras escolas se trabalha melhor. Não me interpretem mal: longe de querer apontar o dedo aos encarregados de educação, os rankings refletem demasiados fatores para me atrever a esse género de simplificações. Mas não estaria a exagerar se dissesse que muitos diretores acreditam que os rankings de escolas deveriam ser substituídos por rankings de encarregados de educação.  
Mas acreditem, também estou muito distante de achar que os rankings não são importantes e necessários, mas isso fica para outros textos. 

Qual o encarregado de educação dos seus sonhos? 

Criativo, mas ponderado, humilde, mas convicto, atento em casa, mas presente na escola, principalmente em pensamento. 

Alguém que consulta e responde a emails e mensagens, que participa entusiasticamente quando é convidado e que fica no seu lugar o resto do tempo. Que confia nos professores e valoriza a missão dos diretores. Já agora, sensibilizado para as problemáticas ambientais e para uma alimentação responsável. 

As escolas já podem partilhar o perfil de encarregado de educação e começar as entrevistas de seleção. 

Só que o sucesso de uma escola não depende apenas deles, muito longe disso, depende da equipa pedagógica, dos meios logísticos, dos perfis dos alunos e de muitos outros aspetos relacionados com contextos sociais, planos de estudos ou motivação das equipas. 

Mas foquemo-nos para já nos encarregados de educação. Se temos um perfil, este ou outro qualquer, sabemos o que podemos exigir, o que devemos promover e estimular. E isso pode ser feito de diferentes formas. 

Formar encarregados de educação 

Primeiro, é muito importante que eles conheçam o que a lei lhes exige, e isso é prioritário principalmente nos tais pais submarino. 

A formação para valores fundamentais como o civismo e a missão da escola deve ser constante, começar no dia da receção aos alunos e prolongar-se até ao fim do percurso educativo. E que tal criar um plano de atividades para isso? Muitas escolas já o fazem. 

Um plano que cumpra os principais objetivos definidos pela vossa equipa para os encarregados de educação, em função das necessidades específicas de cada escola. Pode passar por encontros com os diretores de turma, mas também pelos convívios anuais e outras ações, em que os destinatários das aprendizagens são os próprios encarregados de educação. Temas? Há muitos, ocorre-me desde logo o civismo dos automobilistas à porta das escolas, a regulação do tempo das crianças com telemóveis, a importância da leitura e… podem continuar a enumerar desse lado.  

Com as novas plataformas de educação como o e-Schooling, de que cada vez mais escolas irão dispor, um diretor terá acesso a dados que nunca imaginou poder consultar no seu dia-a-dia. Uma plataforma que disponibiliza canais de comunicação instantânea com encarregados de educação, mas que torna prioritário refletir sobre os dados que quer partilhar e com que regularidade. Excesso de informações diárias só vai chamar helicópteros para a escola ou até fazer muitos pais submergirem durante uns tempos para relaxarem. Informações diárias são necessárias para as equipas de trabalho. Pense bem se os encarregados de educação precisam de saber, ao segundo, que o menino não tomou o leite ou que a professora de inglês está a considerar a menina desatenta. Isso é desviar a atenção dos pais para a espuma dos dias. Por exemplo, o diretor pode considerar prioritário que um encarregado de educação saiba em tempo real dos trabalhos de casa em cada disciplina, de faltas e notas, mas preferir gerar relatórios que espelhem janelas temporais semanais ou mensais sobre outros aspetos da vida escolar dos seus educandos. O mais importante é que um diretor tem de perceber que não pode continuar a gerir o seu mundo escolar por muito mais tempo sem estas possibilidades de trabalho. 

A relação com os encarregados de educação exige transparência, assumindo os valores que a escola promove na sua missão com os alunos e tudo o que espera do lado de lá. Separar claramente áreas de atuação e definir responsabilidades. Mas a transparência impõe também que se identifiquem erros e se exijam mudanças. 

Eu sei que as escolas já andam demasiado sobrecarregadas de trabalho para lhes aconselhar agora mais atividades e estratégias de comunicação. Mas todos os diretores reconhecem que encarregados de educação mais atentos, coresponsabilizados e conhecedores das vantagens de um modelo de atuação, tendem a libertar a escola de vários problemas e preocupações. 

Os encarregados de educação não precisam de ter licenciaturas para serem decisivos para o sucesso escolar. Não há relação de causalidade entre habilitações literárias e empenho em serem bons pais ou encarregados de educação. Cabe às escolas apoiar todas as famílias a dar valor à missão educativa e a perceberem tudo o que podem e devem fazer para se alcançarem melhores resultados. 

Há momentos em que tem de ser a escola a encarregar-se da formação de quem se encarrega da educação dos seus alunos. 

João Paulo Teixeira

João Paulo Teixeira

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