#EP29 «Nenhuma área tem a capacidade de fazer uma pessoa sentir-se tão burra como a matemática»

No 29º episódio do Isto Não é Pera Doce! recebemos Inês Guimarães, que talvez reconheça pela sua paixão pela matemática, retratada, em tempos, através de um canal do Youtube que criou em 2015: MathGurl – o primeiro canal do Youtube sobre Matemática, em Portugal.

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#EP29 «Nenhuma área tem a capacidade de fazer uma pessoa sentir-se tão burra como a matemática»
Fígura de ondas técnologicas azul

E, é mesmo a matemática a protagonista nesta conversa, pela perspetiva de Inês, que lhe atribui a caraterística de ser a área com a capacidade de fazer uma pessoa sentir-se burra, com a inteligência desafiada, mas, que ao mesmo tempo, comunga caraterísticas com as Letras. Não vai querer perder pitada deste testemunho: 

Só somos seres completos se dominarmos as Letras e as Ciências

Por defeito, ou até pela socialização, tendemos a considerar dois polos no Ensino: as Letras e as Ciências, o Português e a Matemática. Na verdade, o raciocínio lógico matemático é importante para desenvolvermos a capacidade de argumentação, por exemplo. As duas áreas podem relacionar-se tanto, que Inês Guimarães afirma poderem ter uma relação simbiótica. 

Há muitas pessoas que defendem que esta divisão que se criou entre Letras e Ciências é altamente nefasta, e eu também acho isso. Porque, acho que ambas as áreas, no fundo, podem ter uma relação simbiótica. E, por exemplo, as pessoas pensam que Matemática não requer criatividade, que criatividade é uma coisa das Artes. Errado. Matemática requer muita criatividade. As pessoas pensam que, lá está, nas Letras não precisas de ter um bom raciocínio, errado. Para uma pessoa conseguir articular rigorosamente aquilo que quer dizer e transmitir a informação de uma forma precisa, tem de ter um bom raciocínio. 

 

Para Inês, só somos seres completos se dominarmos as Letras e as Ciências. Apesar de áreas diferentes, relacionam-se. Uma relação percebida por poucos e entendida por menos ainda. Isto, porque a matemática é vista, socialmente, como o grande desafio das disciplinas escolares. Esta idealização deve-se, na opinião da nossa convidada, pelas caraterísticas únicas da área. A matemática distingue-se pelo facto de só existir dentro da cabeça de cada um, por não ser baseada em factos e por ser algo altamente abstrato. Que, aliás, na perspetiva da Inês, é esta última caraterística que atribui à Matemática o seu grande poder. 

No caso específico da matemática, o que é que torna a matemática diferente das outras áreas e o que é que justifica tanto tempo de explicações e tudo mais? É que a matemática não é só saber factos. Não é só tu adquirires conhecimento. Tu não consegues ver a matemática, ela só existe dentro da tua cabeça. É algo altamente abstrato. É daí que vem o seu poder: é ser algo altamente abstrato, que tu consegues aplicar a uma infinidade de situações. As outras áreas, acabam por ser mais palpáveis. A matemática lida com ideias.

O facto de a Matemática implicar imaginação, projeção e pensamento abstrato é o que a torna, às vezes, mais complicada para ser uma disciplina bem-sucedida pela maioria. É, por tudo isto, que Inês realça que nenhuma área tem a capacidade de fazer uma pessoa sentir-se tão burra como a matemática. Que quando se erra uma questão a matemática, pensamos que a nossa inteligência está a ser atacada. Uma leitura errada, diz Inês, mas que acontece também porque na sociedade se cultivou a ideia de associar inteligência à matemática.

As pessoas não devem pensar desta forma, não se devem sentir atacadas por não conseguirem resolver algo na matemática. Mas, acho que mesmo na própria sociedade, cultivou-se esta ideia de associar inteligência à matemática e não tem nada a ver. Tu podes ser inteligente e ser mau a matemática, e podes ser bom a matemática e não seres assim tão inteligente.

 

Dar moletas a uma pessoa que sabe andar e tem preguiça de correr

A matemática é a disciplina com mais aulas, horas de apoio e explicações. Muitas vezes, as crianças são colocadas em explicações à disciplina logo nos níveis escolares iniciais, talvez por preocupação dos pais, à partida, por ser uma disciplina exigente, ou apenas por descargo de consciência. Acaba por ser, na perspetiva da nossa convidada, uma medida preventiva, mas é como dar moletas a uma pessoa que sabe andar e tem preguiça de correr.

E, acho que há muitos miúdos, que têm um mau resultado, os pais ficam preocupados e “vamos logo para explicações”. Nem sequer dão tempo para a criança se adaptar. Às vezes é normal as pessoas terem um mau resultado e não significa que tenha logo de ir para explicações e que tem imensas dificuldades. Depois também há quem vá para explicações, como uma medida preventiva. Eu isso também não acho que seja benéfico. Porque, eu acho que os alunos têm de ser independentes, devem cultivar um estudo mais autónomo.

Inês defende que as crianças têm de ter disciplina e perseverança, desde cedo. A inscrição em explicações, numa fase prematura, é sinónimo, muitas vezes, de uma falta de vontade, de querer, de empenho. Não é, por isso, benéfico terem, no fundo, alguém a pensar por eles. Inês não é contra as explicações, mas não reconhece vantagens em explicações quando se é muito novo, acreditando que podem fazer falta a certa altura. Há, por isso, depois, muita gente que tira boas notas a matemática, mas não são mais do que macaquinhos de imitação. A nossa convidada explica: 

Tu na matemática escolar consegues ter mais ou menos bons resultados a memorizar receitas. Do género “ok, se aparecer um problema deste género, faço este passo, e depois este passo… e isto vai funcionar”. Se tu fazes uma pergunta mais conceptual, para averiguar se o aluno realmente entendeu o conceito, provavelmente ele não te vai saber responder. Porquê? Porque ele está é habituado a seguir aquelas receitas, para resolver aqueles exercícios típicos. A partir do momento em que tu apresentas um exercício em que já se desvia um bocadinho daquilo que é típico, já não vai lá. Porque não têm este conhecimento conceptual, é um conhecimento mecânico: mecanizaram uma série de técnicas, mas não desenvolveram o raciocínio. Não entenderam os conceitos de uma forma tão profunda.

Neste contexto, importa entender e estudar a matemática de um ponto de vista conceptual, para não cair no erro de mecanizar a disciplina. E, talvez a este nível, o ponto de partida seja uma reestruturação dos manuais escolares, que para Inês Guimarães têm muita tralha. 

Eu tenho um bocado um sentimento misto quanto a manuais. Porque, por um lado, eu acho que é bom teres uma fonte cheia de informações, em que tens lá tudo e para um bom aluno, um aluno que realmente quer aprofundar bem as coisas e com rigor, é capaz de resultar. Mas, em geral, eu sinto que os manuais são muito densos, têm muita informação e acabam por não ser muito apelativos. Eu acho que se eu fosse a fazer um manual, se calhar optava por algo mais simples. Eu sinto, realmente, que se calhar é preciso dar esse passo.

Um professor de matemática é determinante para uma pessoa gostar de matemática ou não

E, se não são os manuais que conquistam o aluno, pode mesmo ser um professor. Foi, um bocadinho, aquilo que aconteceu com Inês. Apesar de já ter o gosto pela matemática, foi no sétimo ano que começou a trabalhar um quase amor, pela mesma. E, tudo, graças ao professor que lhe disse que ela não sabia nada de matemática. 

Certo dia, eu estava a resolver um exercício e estava a fazer aquilo mal ou já não me lembro bem, e o professor mandou-me chegar a casa e dizer aos meus pais “a cada dia que passa, eu apercebo-me que ainda não sei nada de matemática”. Ou seja, o professor disse-me na cara que eu não sabia nada de matemática. Eu fiquei tipo “eu vou-lhe mostrar que sou capaz”, foi tipo um choque. E, então, a partir do 7º ano, eu comecei a estudar matemática todos os dias, a resolver problemas quase a toda a hora. Obsessão total. Também não digo que isso seja saudável.

 

Apesar de palavras duras, que foram quase um choque, serviram como um clique para Inês alimentar a matemática na sua vida. E, é isto que muitas vezes acontece nas escolas, os professores podem mesmo ser determinantes nas nossas vidas, dependendo da forma como recebemos e tratamos a mensagem que nos comunicam.

E, uma coisa que nós temos de ter muita atenção é que um professor de matemática é determinante para uma pessoa gostar de matemática ou não. Se tu apanhas um mau professor de matemática podes ficar traumatizado para a vida, se tu apanhas um excelente professor de matemática se calhar vais descobrir uma paixão que não sabias que tinhas.

A matemática é presença assídua na vida de Inês, que curiosamente não enveredou pela carreira de professora, mas que mergulha agora na computação. 

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

Adriana Ribeiro

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