#EP28 “Por que o silêncio nas escolas e nos recreios pode ser tão preocupante?”

O 28º episódio do Isto Não é Pera Doce! debruça-se sobre a temática da proibição (ou não) dos telemóveis nas escolas: como devemos proceder enquanto pais e educadores, na educação do uso moderado do telemóvel pelas crianças e jovens?

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#EP28 “Por que o silêncio nas escolas e nos recreios pode ser tão preocupante?”
Fígura de ondas técnologicas azul

Para abordar a questão, a nossa convida é Vera Ramalho, diretora do Psiquilibrios, em Braga. Mestre em Psicologia, pela Escola de Psicologia da Universidade do Minho, é membro efetivo da Ordem de Psicólogos Portugueses, com título de especialista em psicoterapia e em psicologia clínica e de saúde. Conta, ainda, com vários livros e artigos científicos publicados, inclusive livros infantis. 

Na perspetiva de Vera, trata-se de equilíbrio, pois tudo o que é falado, conversado e explicado, tem uma adesão maior. Proibir o uso dos telemóveis nas salas de aula não é solução, até porque a tecnologia pode assumir uma função importante dentro das salas, em algumas matérias letivas. Mas, no recreio, é importante que as crianças brinquem. Ouça a perspetiva deste testemunho:

Por que o silêncio nas escolas e nos recreios pode ser tão preocupante?


A forma descontrolada com que hoje se apresenta o telemóvel a uma criança, sem uma preparação prévia, pode ser uma das razões para o silêncio que se faz sentir nas escolas. Mas, se por um lado, se considera o uso descontrolado, por outro é importante perceber em que contexto este descontrolo se aplica, pois, a tecnologia nas salas de aulas pode ser benéfica para as matérias lecionadas. Daí que o termo de proibição mereça uma certa atenção. 

Quando nós falamos do uso do telemóvel, estamos também a falar das tecnologias e, de facto, as tecnologias devem ser vistas como algo benéfico para nós. E acho que esta conclusão já é também bastante normal. 
Eu quando falo em proibir, é proibir no recreio, porque eu acho que os telemóveis, os computadores, tablets, enfim, podem ter uma função importante dentro da sala de aula em algumas matérias.

Neste sentido, é importante moderar o uso, quando inadequado ou não oportuno. Para este processo, a nossa convidada defende que deve existir um diálogo feito pelos pais e pela escola, onde a criança e/ou jovem perceba os horários, momentos, ou períodos em que pode ou deve usar o telemóvel, e os que não deve ou não pode. É preciso educar neste sentido, para conseguirmos colocar um travão na não socialização das crianças e jovens, para que não se centrem em si próprios, não se concentrem apenas a fazer um scroll durante o intervalo e se comecem a colocar no lugar do outro. Pois, estes acreditam que “há tempo para tudo”, mas, entretanto, já tocou. 

Ela [a criança] pensa que dá tempo para estar ao telemóvel quando sai da sala de aula, porque há uma sede de estarem ao telemóvel quando saem das aulas, parece que o mundo está a andar e eles não estão a acompanhar. Portanto a criança pega no telemóvel e diz “eu tenho tempo, vou estar aqui um pouquinho, depois vou brincar”. Quando dá por ela, já tocou, já não há tempo para brincar. E o que que é que acontece? O telemóvel acaba por estar à frente da brincadeira. E isto é muito mau. As crianças precisam de brincar, de conviver, precisam da interação e tudo isto se tem perdido.

A centralização da criança ou jovem em si mesmo é só uma das consequências apontadas por Vera, relativamente ao uso excessivo do telemóvel. A verdade é que, através do estudo "A vida digital das crianças em tempos de covid-19" - realizado pelo Centro de Investigação Comum da Comissão Europeia, que tem resultados para Portugal – percebemos que as crianças têm mais competências digitais, mas passam demasiado tempo no computador: em média, 7h por dia. Tempo excessivo, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde. 

E isso é demais. Inclusive, a OMS fez um parecer em que, de facto aponta isso. E dá até diretrizes do número de horas que as crianças devem passar no máximo. E, 6horas é um absurdo. Inclusive, crianças pequenas e, mesmo pela minha experiência clínica, em atendimentos, crianças de três anos que estão mais do que uma hora com o tablet à frente, em que os pais dizem que eles estão a ver jogos adequados à sua idade, mas as crianças mexem, sabem mexer. 

 E, todos estes comportamentos acrescentam consequências, tanto a nível físico e motor, como a nível emocional e psicológico. 

A questão do pescoço e da postura, a própria postura das crianças começa a tomar outra dimensão. Há o impacto no sono. O impacto na aprendizagem, na concentração. Depois entramos aqui para as partes mais por dentro da saúde mental: mais irritabilidade, ansiedade. […] Há uma distração maior, também. Como eu já referi também, as baixas competências sociais, a falta de empatia, que as crianças precisam de desenvolver, mas como estão tão presas não convivem, não desenvolvem estas capacidades sociais de perceber o ponto de vista do outro, de estar na pele do outro. […] Mexem-se menos, estão muito parados quando estão ao telemóvel no recreio.

Existirá uma idade ideal, para um pai, uma mãe, permitirem o uso do telemóvel? 


Mas, será que existe uma idade ideal para apresentar o telemóvel às crianças e jovens? Poderão os pais, educadores, abrandar o uso da tecnologia, quando esta está cada vez mais presente e a dominar o desenvolvimento e entrega da informação? Na perspetiva da nossa convidada, seria após o término do primeiro ciclo. 

Eu acho que até ao fim do primeiro ciclo, não. Depois, há uma questão que os pais põem, que eu acho que pode ser pertinente e entendo, que é “eu ligo para o meu filho, no final da escola, para o ir buscar”. Eu acho que aí pode ser, embora que isto é tudo muito relativo, na medida em que há crianças que têm mais capacidade de saber fazer esse uso e outras que não. Há escolas que já proibiram. No meu entender, isto tem de ser feito com algum equilíbrio, com a participação de pais, dos alunos.

Não há uma fórmula certa para definirmos o uso dos equipamentos digitais, o que deve haver é uma preparação e prevenção de uso, em conversas entre pais e filhos, entre alunos e professores, entre pais e professores. Deve existir um equilíbrio que possibilite educar com a presença das tecnologias, mas sem o uso excessivo das mesmas por parte dos mais novos, que os possam condicionar a curto, médio ou a longo prazo. 

No meu entender, isto tem de ser feito com algum equilíbrio, com a participação de pais, dos alunos. Eu não estou a dizer que não é preciso cortar o telemóvel em algumas situações, por exemplo, o recreio. Mas acho que tem de haver aqui também algum equilíbrio. Alguma conversa, alguma preparação, prevenção do uso, há aqui muitas coisas.

Este é um dos grandes desafios para os pais e educadores. Como encontrar o equilíbrio? Por um lado, há uma exigência aos pais, muito grande, no sentido de cumprirem jantares, os banhos, os finais de dia. Por outro, a escola que tem de encontrar um modelo de conversação com os pais para discutirem a temática e partilharem algumas funcionalidades e truques que os permitam, em conjunto, controlar o uso por parte das crianças e jovens, porque no fundo é na escola que isto se passa, na maior parte do tempo.

É necessário controlar. Às vezes as pessoas têm receio, os próprios pais têm receio de achar que estão a ser autoritários e não se trata disso. Uma criança pequena, por exemplo, até aos seus 7, 8, 10, 12 anos, os pais têm efetivamente de ter um controlo mais apertado daquilo que ela vê no telemóvel, de onde ela acede, porque ela pode aceder a sites que não são minimamente adequados a uma criança. E, portanto, tem de haver esta supervisão. Há, inclusive, nos telemóveis, nos tablets, a função parental – penso que tem outro nome -, controlo parental, e, portanto, isto tem de ser ativado. Há pais que ainda não conhecem isso, por exemplo. Eu acho que os pais devem ouvir a escola também e, juntos, devem chegar a uma decisão. E é claro que a escola tem aqui um papel importante, porque é dentro da escola que isso se está a passar. E, uma escola, que toma a decisão de proibir, eu acho que os pais devem acatar e devem conversar em casa com os filhos.

Prevenção e vigilância, quer pelos pais, quer pelos educadores, são os dois conselhos práticos deixados por Vera.

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

 

Adriana Ribeiro

Adriana Ribeiro

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