Dar prenda de Natal é um castigo?

Dezembro traz de volta uma das ferramentas de motivação para aprendizagem mais usadas pelos pais: a prenda de Natal.

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Dar prenda de Natal é um castigo?
Fígura de ondas técnologicas azul

Desde há décadas que a prenda de Natal passou a fazer parte de estratégias de avaliação de ensino-aprendizagem e até a ter lugar especial em reuniões de conselhos de turma e nas conversas com encarregados de educação. Quem trabalha em escolas já assistiu aos debates sobre o impacto de oferecer uma motorizada ou um novo smartphone ao ‘malandro’ que deixou um visível rastro de negativas num curto percurso de 3 meses. Mas também poucas famílias resistem a entregar, no pódio do primeiro período, um prémio pelos excelentes resultados escolares, não vá os estudantes perderem a motivação para as etapas seguintes. 

A relação entre notas e prendas parece inevitável, já que é uma ferramenta muito versátil. Ela é usada como ameaça, penalização, motivação ou premiação de resultados.

Mas vamos por partes. Usar a prenda como penalização, faz-nos questionar se é proporcional ao empenho demonstrado e às causas dos resultados menos satisfatórios. É legítimo procurarmos penalizações nas prendas quando as causas do insucesso podem ser tão diversas como gestão de tempo, empenho ou motivação? Será que alguém merece só receber uns pares de meias mesmo que os resultados escolares sejam francamente negativos? 

Ameaço-te para teu bem! 

Alguns pais fazem uso de tudo o que têm ao seu alcance para manter os jovens nos eixos, sejam mesadas, prendas, férias, saídas à noite. Mas qual a diferença entre motivar e ameaçar. Andará muito longe do se não tiras boas notas furo os pneus da tua motorizada ou rasgo-te a tua melhor camisa?  

A prenda como castigo exige que se definam regras, para que se perceba o que não foi cumprido. Não basta olhar para a nota final, as causas são tão diversas e intricadas, que um número na pauta pouco quer dizer. Por exemplo, qualquer encarregado de educação que lida com hiperatividade sabe que a prenda pode menorizar comportamentos que não deixam de ser desadequados ou penalizar por situações que não se controlam na totalidade. 

E por falar em ameaças, é preciso lembrar a importância de honrar a palavra. Não se deve abusar do “se voltas a fazer isto, já sabes o que te acontece”. Ou somos gente de palavra ou é o descrédito total.   

Não deixa de ser um problema muitos pais usarem facilmente a ameaça da bomba atómica, ficando sem outras estratégias ameaçadoras na manga, caso as coisas corram mal. Se o jovem à chegada a dezembro percebe que já não lhe será humanamente possível chegar às notas desejadas, provavelmente irá desmotivar e empenhar-se ainda menos.  Caindo ameaça da prenda, o que sobra a estes pobres pais para “motivar”? Vais comer sopa e pescada cozida na noite de Natal?  

Tudo tem consequências?

Queremos impor consequências no mundo das crianças e jovens para lhes mostrar que no mundo dos adultos há consequências para a nossa falta de empenho. Mas será bem assim? Apesar de tudo, é frequente passarmos meses sem estarmos no nível de excelência profissional e nem por isso nos cai o mundo em cima. Se excetuarmos situações críticas ou criminosas, a maioria dos nossos atos não são assim tão escrutinados. E mais, o sistema de incentivos nas empresas depende da prestação de toda a equipa e, muitas vezes, de resultados que podem ser afetados pelo contexto. Ninguém quer fazer depender a prenda de cada filho do desempenho global dos irmãos ou da prestação de Portugal na avaliação anual do Pisa. 

O pai natal, tal como Deus nas religiões, sempre foi usado para dar a impressão de que todos os nossos atos têm consequências e de que há sempre alguém a vigiar-nos para poder fazer a nossa avaliação contínua. Para garantir a justiça, mesmo que não a vejamos a acontecer em tempo real. Mas se há coisa que aprendemos na vida, é que todos os dias as avaliações falham. Nas empresas, nas escolas, no nosso dia a dia, em juízos de valor, interpretações e mal-entendidos. 

Além disso, a relação entre resultados e consequências é muito polémica na nossa sociedade. Quando a criança souber que o amigo com piores resultados escolares teve excelentes prendas e ela não, vai ter um curso rápido de iniciação às desigualdades nas avaliações e perceber que muitos são recompensados sem grande esforço. Por outro lado, a criança que recebe as prendas sem notas que o justifiquem, também tem um curso intensivo sobre a física dos desencontros entre mérito e os prémios. 

Um plano bom filhinho 

Estabelecer um sistema de recompensas como se faz no mercado de trabalho, pode ficar muito rebuscado e bastante risível. Após 12 meses de bom comportamento e notas com média acima de 16, o jovem entra num programa de fidelização bom filhinho, com prenda de natal, incentivo mensal para plano poupança prenda de aniversário, mobilizável apenas no mês da efeméride. Acima de 18, ganha um regime flexível de participação com telemóvel nos almoços de família. Com 20 de média, podes estar de auscultadores em todos os encontros familiares. 

Mas porque devemos premiar o empenho na aprendizagem, quando as aprendizagens e os resultados devem ser, nesta fase da vida, a principal recompensa? 

As aprendizagens e o empenho têm um valor intrínseco cujos méritos e resultados só se veem muito tempo depois. E é importante ensinar isso às crianças e jovens, porque a excelência implica demasiado tempo de dedicação para ser convertível em unidades de prenda imediatas. 

Além disso, a proporcionalidade da prenda é uma questão fundamental. Quanto vale uma média? Se estabelecemos uma relação óbvia e quantificável entre notas e recompensas, como podemos motivar para esforços e empenhos cada vez mais exigentes da primária até ao acesso à universidade. Se entrar em medicina, vai ter de receber um descapotável ou um T2, com rendas pagas durante 10 anos, no centro de Lisboa. 

Como não podia faltar, é sempre importante fazer uso de um lugar-comum: cada caso é um caso. E como apesar de tudo a maioria das famílias não tem realmente de lidar com muitos casos, nada melhor do que individualizar e analisar bem as causas do insucesso e a motivação pelos bons resultados. A prenda pode resultar de muitos outros aspetos da vida, para além da escola. E há também outros meios para promover a reflexão, motivação e melhoraria dos resultados escolares. 

As prendas devem refletir uma relação duradoura, consistente e uma perceção integral da educação e do crescimento das crianças e jovens. Devem ser uma consequência da visão dos pais sobre o desenvolvimento de cada filho, a sua responsabilidade, confiança, aptidões e autonomia. 

Por isso, quando pensar em prendas, não se prenda apenas à escola

João Paulo Teixeira

João Paulo Teixeira

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