#EP27 «Eu acho que seria tempo de parar de brincar à Educação»

O 27º episódio do Isto Não é Pera Doce! partilha um testemunho, na primeira pessoa, dos desafios encontrados na Educação, nos diferentes agentes em que a mesma se perceciona: os professores, os diretores, os alunos, os pais, o Ministério da Educação e a própria sociedade. Guiado pela voz da nossa convidada, este é um programa que reflete a história de quem experienciou e deixou o papel de professor, em Portugal. A dúvida persiste, ainda, no regresso.

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#EP27 «Eu acho que seria tempo de parar de brincar à Educação»
Fígura de ondas técnologicas azul

A convidada é Carmo Miranda Machado, professora de português. Trabalhou, durante 30 anos, na Escola Secundária D. Dinis, na zona oriental de Lisboa, com alunos do 7º ao 12º ano de escolaridade. Hoje, está a dar aulas em Maputo. Mestre em Ciências da Educação, pela Universidade Católica Portuguesa e Licenciada em Estudos Angloportugueses, pela Universidade Nova de Lisboa, já publicou vários livros e é cronista. 

O último ano letivo foi, talvez, o mais marcante da carreira profissional da nossa convidada, que afirma que, em 34 anos de Ensino, nunca tinha vivenciado problemas de indisciplina como naquele ano. Este foi o clique que a fez tomar um novo rumo na sua vida. Conheça este testemunho: 

Professora, a professora já estava assim tão farta disto, para ter decidido ir para África? 


A indisciplina que viveu no último ano letivo foi o clique para a realização de um sonho, que estava na gaveta: a experiência de lecionar português, num país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Estava na altura de mudar o rumo da sua carreira profissional, vencida pela exaustão, cansaço e pouca paciência para continuar a suportar aquilo que lhe estava a ser posto na mesa. 

O que é certo, é que no último ano letivo lidei com problemas de indisciplina, como eu nunca tinha vivenciado, em 34 anos de ensino. E, foram de tal forma problemas de indisciplina graves, que eu deixei de dormir. […] E, pensei que estava na hora, porque há momentos na vida, nas nossas vidas, em que nós percebemos que se continuarmos muito mais tempo por aquela estrada, a estrada não nos vai levar a um bom sítio. E, eu percebi que era hora de mudar de rota

Um ano marcado pela sensação de humilhação, como profissional, e com consequências para a sua saúde. Um ano em que o apoio foi escasso e o desafio foi grande demais para continuar a vivê-lo. 

Sentia-me acompanhada por algumas pessoas, mas não é um apoio como deveria ser. Eu não vou culpabilizar diretamente a direção, porque eu acho que a direção não está habituada, e se calhar como outras direções, a punir a indisciplina, quando ela surge. Tem a ver com uma data de regulamentos, do estatuto do aluno, não sei. O que é certo que nós não temos, nas escolas problemáticas, ou pelo menos algumas direções não têm, mão forte na indisciplina. E a indisciplina tem de ser punida. E, na minha opinião, tem de ser punida quase imediatamente, para surtir efeito. Não é um mês, dois meses, três meses depois.

O que é que justifica que não estejamos a garantir os princípios básicos, para que depois as coisas funcionem bem?

A formação do aluno, enquanto cidadão, é um aspeto fundamental, na perspetiva da professora Carmo. A competição, entre os alunos, deve centrar-se pela boa formação e não pelas notas. 

Eu prefiro um aluno que tenha um 3 e que seja boa pessoa, a um aluno que tenha um 5 e que seja um aluno que não tenha bons princípios, bons valores.

A missão de um professor vai para lá da partilha de conhecimento e validação de aprendizagens. Os professores comungam uma missão que, infelizmente, é ameaçada pelo sistema de ensino. É ameaçada pela formatação do sistema. 

Eu acho que os professores estão formatados, regra geral. Nós somos formatados. Nós vivemos a escola, o ensino, os professores, o sistema é um matrix. E os alunos também. E, o professor, ou o diretor, ou a escola que tenta fugir a essa formatação, a esse matrix, será sempre apontado como aquele que não faz de acordo by the book, com o sistema.

 

A crise, como lhe chama, começa nos programas e no facto de a escola não desenvolver aquilo que é importante para a vida. Uma escola desligada da vida, onde o aluno apenas sabe o que é necessário para fazer um exame, mas desconhece as coisas essenciais para a vida. É uma formatação vincada, onde não há espaço para fazer mudanças. Há a necessidade de uma reforma educativa

Eu considero que isto se deve ao facto de não ter ainda existido, em Portugal, uma verdadeira reforma educativa, no sentido de ter coragem de adaptar os programas, mudar as práticas. Não há coragem suficiente para. Isto são capelinhas, são muitas capelinhas.

Uma reforma educativa que, idealmente, atinja todos os agentes na comunidade escolar até os próprios pais. Não faz sentido, para Carmo, que em idades ainda precoces, os pais coloquem os alunos num explicador. Um cenário que assume dever acontecer pela carga excessiva com que os Encarregados de Educação também lidam. 

Eu penso que quando os pais colocam os filhos no explicador logo em idades tão precoces, o que se passa, a meu ver, é que muitas vezes isso acontece porque os pais usam o explicador como aquele que ajuda os miúdos a fazer os trabalhos de casa. Não é tanto para explicar, mas para ajudar a fazer as tarefas. É mais um peso que lhes sai de cima, é mais esse peso que eles não têm […]. Agora que começam muito precocemente, sem dúvida nenhuma.

Mas, também a direção é colocada na equação. Defensora de uma eleição ao lugar de forma democrática, Carmo Machado, considera que, atualmente, o cargo de direção é assumido como um cargo político e não o deveria ser.

A escola não é uma empresa, a escola, na forma como eu a vejo, não é uma instituição com fins lucrativos. É uma instituição para tornar as pessoas mais capazes, para transmitir cultura e, penso, lamentavelmente, que a escola, neste momento, é dos sítios onde menos cultura existe.

 

O professor que adora o que faz está cansado

Os professores vivem uma fase de contestação, de greves. Estão em luta. Carmo acredita que é tempo de parar de brincar à Educação, de vender ideias e projetos que são mais do mesmo. É preciso ter uma atitude intelectualmente honesta sobre aquilo que é importante, porque há professores fantásticos nas escolas. Por isso mesmo, o 
professor que adora o que faz está cansado. 
Mas, será que a luta dos professores é entendida pela sociedade? 

Eu penso que as pessoas informadas, as pessoas informadas, percebem a luta. Mas, as pessoas informadas não são muitas. Continuamos a ser um país que vibra com o futebol e que vai a Fátima a pé. Nada contra. Quero só dizer aqui que Fátima, Fado e Futebol eram os 3F’s do tempo da velha senhora e que a sociedade que parece ter evoluído muito, se calhar não evoluiu tanto assim. Apenas neste aspeto. Portanto, quem nos ouve não me julgue mal.

É preciso motivar os professores, porque sem trabalhadores motivados, não há produtividade.

Consegui voltar a ter vontade de dar aulas, que era uma coisa que eu tinha perdido aí.
Para Carmo, a motivação espelha-se na decisão de ter mudado de país para lecionar. A dúvida persiste no regresso a Portugal, que quer que aconteça, mas não sabe se conseguirá voltar para o sistema, como ele existe.

Voltei a acordar com vontade de vir para a escola. Venho para a escola mais cedo, que era uma coisa que não acontecia lá. Fico na escola depois das aulas acabarem, que em Portugal eu “pernas para que te quero”, porque aquilo já não era pera doce para mim, nem para mim, nem para ninguém. E, portanto, é um balanço extremamente positivo. O problema agora é que eu não quero ficar aqui, não me quero eternizar aqui, porque depois perco as raízes com Portugal. Agora, o problema, é que eu não, quando voltar, não sei se consigo voltar para o sistema, como ele existe.

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

Adriana Ribeiro

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