#EP35: Já imaginou na sua viagem de finalistas fazer a pé o Caminho de Santiago? Na ESVV não é só imaginação.

No 35º episódio do Podcast conhecemos a iniciativa da Escola Secundária de Vila Verde que, há 14 anos, prepara a viagem de finalistas dos seus estudantes: fazer a pé o Caminho de Santiago. Nas vozes de Isabel Leite e Manuel Rodrigues – professora de Matemática A e professor de Psicologia - conhecemos como surgiu a atividade, as tarefas implicadas e as aprendizagens que esperam dos alunos, todos os anos, com o caminho.

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#EP35: Já imaginou na sua viagem de finalistas fazer a pé o Caminho de Santiago? Na ESVV não é só imaginação.
Fígura de ondas técnologicas azul

A viagem de finalistas, na ESVV, não é ao sul de Espanha. Razão que, à partida, poderia descartar o interesse dos alunos. Mas, na verdade, já houve anos em que não tiveram lugar para todos os interessados. 

Entre o que implica a organização do caminho, a preparação dos alunos e os esclarecimentos aos encarregados de educação, todos os anos é um desafio: nenhum caminho é igual e a certeza é a coleção de histórias e memórias. Assista à conversa, na íntegra:

«Cheguei a temer que íamos dormir nos claustros.»

Com certeza que poucas vezes ouviu falar de uma viagem de finalistas em que não houvesse sol, praia, animação musical e diversão noturna. Podem ser poucas as vezes, mas, a verdade, é que existem exceções. E que exceções!

Na Escola Secundária de Vila Verde, a viagem de finalistas é pôr os pés ao caminho. Literalmente, desde há 14 anos, depois de, em conversa, surgir a questão “porque não organizar aqui na escola o Caminho de Santiago para alunos e professores?”. A ideia surgiu por parte do professor Manuel Rodrigues, que já tinha experiência em trilhar estes caminhos, por grupos sociais que integrava. O que ele não esperava é que a ideia fosse para a frente. 

Em conversa veio a ideia “porque não organizar aqui na escola o caminho de Santiago para alunos e professores?”. Eu como já tinha feito, achei que era um bom desafio, não tanto com a certeza que isso fosse para a frente. Recordo-me que, na altura, colocou-se um papel na sala de professores e eu dizia “se houver entre 15 a 20 pessoas nós já vamos” e acho que apareceram umas trinta e tal pessoas. Foi um bom número. 

Na altura, poucas setas amarelas existiam. Não havia marcações do caminho, albergues ou divulgação maciça. Isso foi o que cativou este professor a propor a ideia, desafiante quer para os alunos, quer para o corpo docente. Era preciso alguma maturidade e responsabilidade no grupo, para que tudo corresse bem. 

Na altura, essa questão dos alunos era um desafio, mais ou menos interessante, porque eu já tinha feito com universitários e, como eram alunos do 12º ano – foi uma coisa que decidimos, que fazíamos só com alunos de 12º ano, por vários motivos, entre eles, as próprias condições do caminho, haver já alguma autonomia em termos individuais, maturidade, etc. 

Por estas razões, foi estabelecido que a viagem seria feita apenas por alunos do 12º ano. No primeiro ano, nada mais se sabia. Era incerto o número de inscrições, as tarefas que seriam necessárias realizar. Mas, como se costuma dizer, o que custa é começar. A professora Isabel Leite, explica: 

Enquanto, que no primeiro ano, eramos pouquinhos e fomos sem nada marcado, eu ia na equipa de apoio e ele [Manuel] a pé e os outros dois colegas também iam a pé. Eu ia na equipa de apoio, à frente, arranjava dormidas, comidas e por aí fora, mas ia à frente. Houve um sítio que foi muito complicado de arranjar, nesse ano, em Redondelas. Cheguei a temer que íamos dormir nos claustros. 

Hoje, a viagem implica muita preparação, desde o caminho feito antecipadamente pelo grupo de professores que acompanharão os alunos, para perceberem as soluções de dormidas, refeições e as condições do próprio caminho; reunião de esclarecimento aos alunos; abertura de inscrições; e reunião com os encarregados de educação. E, é mesmo preciso esclarecer, principalmente os alunos, para perceberem que esta viagem não será um passeio. 

Na reunião de apresentação vão muitos [alunos]. Mas, ainda bem, para esclarecerem, para perceberem que isto não é um passeio. Não é bem a mesma coisa do que eles às vezes pensam que vão para a romaria. Têm que perceber bem e há ali toda uma sensibilização sobre o que é que é o caminho, que vão andar, que vão ter horários para cumprir, que vão ter de respeitar o silêncio da noite e isto é importante e é passado nessa reunião. 

 

«É o aceitar que podem não ter água para tomar banho, é o aceitar que a água está fria, é aceitar que a comida não é bem o arrozinho da mãe»

A sensibilização aos alunos é importante, até para evitar que desistam durante o caminho. Pode acontecer precisarem do auxílio da carrinha de apoio – que está sempre disponível durante o caminho, bem como os números de telemóvel dos professores responsáveis – mas, desistências com caminho de regresso a casa, apenas aconteceram duas.

É preciso entenderem a ideia do que é o caminho. É preciso parar, como esclarece o professor Manuel Rodrigues: 

É esta a ideia base, que é, parar de cumprir objetivos, parar de ter que fazer trabalhos, parar de ter de estar ligado à internet, parar de estar ligado às redes sociais. Caso contrário, não se consegue fazer este caminho, mas seja ele qual for. Porque o caminho exige, na nossa opinião, o caminho faz-se mais por dentro do que por fora. É esta sempre a ideia.

Mais do que isso, é importante perceberem que o caminho requer algumas exigências. E, até, algumas difíceis de as imaginar nos jovens de hoje em dia. Mas, é no caminho também que se descobrem um bocadinho mais. Uma experiência para a vida toda, afirma Manuel Rodrigues. 

Depois, é interessante que, quem se põe a caminho, requer-lhe algumas coisas, requer desinstalar-se de casa – o que, às vezes, as pessoas, não estão muito para aí viradas -, requer, de facto, também, algum despojamento. Porque, por exemplo, este ano vamos dormir em dois pavilhões desportivos, no chão. Requer algum equilíbrio, alguma forma de estar emocional. Porque, é normal chegar a meio, num misto de cansaço, de estar a viver situações que são um bocadinho mais intensas, como, por exemplo, um dia de chuva, outro mais frio. Requer que a pessoa também tenha uma atenção em relação aos outros, nas relações interpessoais e que se aceite a si como é e aceite os outros.

E, a professora Isabel Leite acrescenta: 

Cria sempre ali um impacto que eles não estão habituados a este desligar. Não estão habituados a este experienciar de uma vida mais simples. É o aceitar que podem não ter água para tomar banho, é o aceitar que a água está fria, é aceitar que a comida não é bem o arrozinho da mãe

 

«Porque, para os pais, também é um desafio.»

À semelhança do que acontece com os estudantes, que precisam de se preparar para o desafio, abdicar do que é o conforto e colocar os pés ao caminho para uma autodescoberta, também os pais entram nesta equação. Curiosamente, o desligar completamente do telemóvel, para os pais, pode ser uma preocupação, por sentirem a falta de saber se está tudo bem. E, estas questões são esclarecidas na sessão de esclarecimento aos encarregados de educação. 

No primeiro dia o telemóvel vai a trabalhar, depois é costume, mas é costume, às vezes irmos a caminhar, os telefones a tocar, e já não param para tirar a mochila para ir ver “depois logo ligo”. Isso é a tal ideia de eles perceberem que há outro mundo para além disto dia a dia. […] Nós fazemos uma reunião agora, para os alunos que estão interessados e, depois, só os inscritos, os encarregados de educação têm uma reunião connosco. E nós alertamos sempre os pais, eles ficam com os nossos contactos, durante o caminho, se o filho não atender não se preocupem. Alertamos muito que vamos estar em sítios que não há rede, não há contacto, eles não têm contacto. Outras vezes, estão todos juntos, não se ouve. Não fiquem preocupados. […] Porque, para os pais, também é um desafio. 

Saber para o que se vai fazer, o que se quer fazer e para onde se vai é importante, para todos aqueles que se envolvem com a atividade. Tanto os que vão, como os que ficam. Mas, para aqueles em que o caminho se faz caminhando, o ritmo de cada um é diferente, a experiência será marcada por episódios diferentes, mas, no final, «se eles aprenderem essa parte da liberdade com responsabilidade, acho que já nos damos por muito felizes», afirma a professora Isabel. 

 

«A escola é uma arena de vários atores.»

Mesmo para os professores, como diz Manuel Rodrigues, é bom sair cinco dias, porque se para mesmo e regressa-se com mais tranquilidade para as reuniões de avaliação. Os pensamentos são limpos e vive-se uma experiência que é sempre diferente e que o retorno é sempre uma novidade. Mas, quando se volta, a realidade, por vezes não muda, como é por exemplo o facto de a carreira de professor ser hoje menos apetecível para os jovens. 

Para a professora Isabel Leite, o que está a ser oferecido ao professor no início de carreira não é uma grande proposta. 

Eu creio que o que está a ser oferecido ao professor no início da carreira, não é uma grande proposta. É um bocadinho ingrato. Primeiro, tem de se deslocar, depois é complicado, os sítios onde há lugar são sítios complicados, são sítios difíceis. Porque, a sala de aula de vila verde e a sala de aula de outros sítios pode ser muito diferente. E, depois, a remuneração também não é muito simpática, há outras propostas, para esses profissionais, mais aliciantes. E, quem é que fica? Ficam os mais motivados pelo ensino mesmo. E, depois temos muitas burocracias, muitas burocracias, que foge um bocadinho do papel do professor.

Manuel Rodrigues é da opinião de existe uma politização muito grande. 

E hoje? Isto, digo eu, enfim, pessoalmente: há uma politização muito grande e essa politização nota-se através da forma da forma como está organizada, desde a nomeação do diretor e aos vários órgãos dentro da escola e, nós sabemos que, uma escola que se quer pluralista, onde se pensa, onde os professores têm alguma forma de estar de passar essa liberdade, liberdade de pensamento, liberdade na atitude, na forma de estar.

 


Citando o professor Manuel Rodrigues, a escola é um reflexo muito do que se passa em termos de uma mentalidade da sociedade. Quem são os alunos que entram dentro de uma sala de aula? De onde vêm? Quem é a família? Que educação é que têm? Que linguagem é que ouvem dentro de casa? Depois, o aluno reproduz comportamentos e, muitas vezes, de facto, a escola é uma arena de vários atores

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

Adriana Ribeiro

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